Vivemos uma revalorização da experiência. A assimilação de um saber técnico e reprodutível vem perdendo espaço. Lógico que ainda direciona os conteúdos e objetivos de avaliações e exames no mundo todo. Do vestibular ao concurso público somos cobrados a resolver problemas já definidos, já pensados para nós (mas não por nós). Uma resposta pronta e anterior a qualquer pergunta é colocada como critério avaliativo de sucesso ou fracasso de indivíduos. Nesse sentido, a educação se torna apenas uma questão de saber o quanto um aluno está “domesticado” a certo conhecimento.
Nossa atual estrutura educacional está focada no ensino, não na aprendizagem. Procura inculcar nos alunos um saber técnico, coerente e universal – sempre o mesmo, independente do tempo e do lugar. Assim como o conhecimento é igual para todos, nossa forma escolar também pressupõe a existência de um tempo igual para todos. Independente das peculiaridades individuais assume-se que aquele saber tem um tempo exato para ocorrer. Isso cria atrasados, adiantados e na média.
Sob esse ponto de vista, a presença de pessoas com deficiência ou que exigem condições especiais parece atrapalhar. Ao mesmo tempo em que desorganiza a lógica da eficácia e a normatização, força a adaptação e a convivência com a diferença. Não é um saber que se aprende por uma relação de causa e efeito, mas exige contextualização. Tudo que temos se dá pela análise das possibilidades disponíveis em uma ação. Ou seja, não há respostas prontas e somos chamados a desenvolver novas perguntas. E isso exige senso crítico.
A experiência, o conhecimento prático, aperfeiçoa o conhecimento técnico e teórico que aprendemos na escola. É como uma receita de bolo. Todos que tiverem acesso ao que foi escrito podem, enquanto possibilidade, fazer o mesmo bolo, mas será que isso acontecerá na prática? É o conhecimento das fôrmas, do forno, dos ingredientes, a habilidade do cozinheiro, um saber não escrito, o que fará que um bolo seja mais gostoso que outro. E são as nossas experiências que farão do nosso bolo mais gostoso.
A crença da necessidade do conhecimento técnico como ícone de sucesso faz muitos buscarem a educação particular, como se essa fosse uma garantia de distinção e melhores possibilidades profissionais. No entanto, a maior diferença entre uma escola pública e privada não está na apresentação e ensinamento dos conteúdos, mas na possibilidade de vivenciar experiências diversas. Os alunos da educação privada não se destacam por estarem numa escola que ensine de forma mais adequada os ensinamentos, mas por terem acesso a viagens, a possibilidade de conhecer outros lugares, de utilizar produtos tecnológicos modernos etc. O que faz diferença não é o saber técnico e que pode ser ensinado por um livro, mas aquilo que é obtido pela experiência, pela Cultura (Cultura no sentido amplo).
Na convivência com a deficiência se dá o mesmo processo. Você pode ler os melhores e mais completos manuais sobre educação e deficiência, mas é a convivência com pessoas com deficiência que fará o aprendizado ser algo efetivo: saber como ajudar, que termos usar, que afirmações incomodam etc. Em um âmbito mais geral, é o convívio com a diferença (seja ela de gênero, raça, classe…) que lhe dará as ferramentas para atuar no mundo. De certa forma, as atuais tentativas de controle do conhecimento técnico, são, em suma, uma tentativa de afastar a experiência da educação, de impedir que nossos alunos convivam com a diversidade e tenham acesso a outras opiniões.
Mais especificamente sobre a Esclerose Múltipla, não há um padrão específico. A EM pode fornecer diferentes condições: às vezes distúrbios visuais, urinários, motricidade fina. Nem sempre é possível continuar no mesmo ritmo e fazer as mesmas coisas. Cada situação exigirá adaptações e fornecerá ensinamentos diferentes. Como dissemos no último post, tivemos experiências distintas, mas certamente algumas coisas poderiam ser facilitadas se nossos colegas e professores tivessem a oportunidade de conviver com a diferença.
Eu (Jota), antes do diagnóstico, nunca tinha ouvido falar em Esclerose Múltipla. Na escola ou na faculdade, nunca tive a oportunidade de conviver com outras pessoas com EM. Da mesma forma, nunca convivi com um colega com câncer; alguém que precisava carregar um tubo de oxigênio; ou que precisava sair da aula para tomar uma medicação, como insulina. No entanto, a educação não se limita a escola. Digo isso porque percebo muitas pessoas do meu convívio – familiares, amigos etc. que não tem a mínima noção de como lidar com uma doença, Esclerose ou outra qualquer. Ainda há tempo para aprender.
O resultado desse desconhecimento são posições que acabam caindo no “coitadinho” ou no “se Deus quiser”. Para não falar de uma completa falta de interesse, as pessoas leem tudo que tenha a palavra “cura” e frequentemente chegam com “novidades” e “curas milagrosas”: “você viu que repolho cura Esclerose Múltipla”? Lógico que seria ótimo uma cura, mas enquanto as pessoas estão preocupadas com a cura, estamos preocupados em viver. E essas histórias, essas experiências compartilhadas é que educam. Como diz a Bruna na sua tese, somos educados para ter saúde e não somos educados para doença.
Indo além dos muros da escola, essa educação pode se dar de forma mais abrangente e prazerosa. Filmes, séries, livros, peças de teatro, entre outras, abordam indiretamente situações que não vivenciamos na prática, mas que pela empatia nos colocam na situação do outro. Os blogs de pacientes, médicos e familiares são uma ótima oportunidade de se educar para doença e compartilhar experiências. A informação ainda continua sendo o melhor remédio.