Sobre ser sobrecarregada…
Olá, queride escleroamigue. Espero que você esteja bem e que meu texto te encontre de cabeça e peito aberto. Digo isso porque hoje eu decidi escrever sem muito rodeio. Seja pela falta de paciência quando toco no assunto, seja pela pressa – que também tem a ver com o que vou abordar aqui – seja simplesmente porque não estou muito a fim mesmo de dourar a pílula.
Um pensamento, nada intrusivo, mas necessário de proclamar, quase como um desabafo, anda rondando na minha cabeça há alguns meses. Compartilho ele com você que me lê:
Mulheres, sobretudo mulheres negras, são sobrecarregadas!
Alguns dados em recorte para você entender:
Nós damos conta de uma dupla, tripla, quádrupla jornada. E aqui, claro, falando por mim, não faço isso para ser ‘guerreira’ ou porque acredito nas falácias da meritocracia: “trabalhe enquanto eles dormem”. Eu faço isso porque não tenho opção. Viver bem custa caro, em muitos sentidos. Eu venho pensando nisso desde um susto que a EM inativa, no meu primeiro surto em 2009, resolveu me lembrar: não sou de aço, sou humana. O descanso e o autocuidado são preciosos demais e, mesmo em muitas circunstâncias sendo privilégio de alguns, é preciso forjar estratégias para priorizar esse carinho. Em resumo, como diria minha avó: “Quem não se cuida por si, não se cuida pelos outros.”
O resultado da minha falta de carinho comigo mesma foi: 5 meses de zumbido no ouvido, uma paralisia facial e a parestesia que segue por aqui desde outubro de 2023, causados por uma falha terapêutica – de um tratamento obsoleto, é verdade! Mas, ainda assim, que já vinha capengando há meses e eu fui ignorando com medo do que poderia ser, com medo de não conseguir mais “dar conta”. Se tivesse sido prevenido, se eu tivesse apenas me priorizado, feito uma pausa, um respiro, talvez nem teria acontecido (minha psicóloga já me aconselhou a não pensar assim, pois são coisas que não temos controle, massssss……).
A realidade na prática…
A verdade é que, há alguns meses – pra não dizer anos -, inconscientemente, eu venho me sobrecarregando com a justificativa de “dar conta é a única opção”; “eu não posso errar”; “eu preciso me esforçar 2, 3, 1.000 vezes mais pelo mínimo”. Nem todo mundo consegue e pode, mesmo com o diagnóstico da tal doença crônica, ter a liberdade pra se priorizar em tudo, para reconhecer e impor limites, para saber a hora de parar, para se colocar em primeiro lugar. Ninguém me ensinou isso, muito pelo contrário.
Eu não quero nem ouvir mais o clichê: “Ah, faça uma boa terapia, leve isso pra esse espaço”. Vamos ser sinceres e honestes aqui? Nem todo mundo tem acesso imediato, fácil e abertura instantânea para a terapia e ponto. Outra coisa: a terapia não resolve nada sozinha, ela instrumentaliza pra resolver. E quando o que nos assola também é social, estrutural tanto quanto é emocional, como faz? Mesmo fazendo terapia, é um processo leeeeeento, árduo e difícil. Enquanto ele discorre, é necessário (sobre)viver como é possível.
Muito embora o susto tenha sido gigantesco e a agonia para encontrar atendimento/tratamento local também pioraram tudo, coisas positivas também vieram no combo da catarse: mudança do interferon 1A (injetável 3x por semana) para o fingolimode (comprimido diário); mudança de perspectiva sobre minha saúde e autocuidado: melhora na alimentação, no sono e práticas de atividades físicas.
Sobrecarregada, se eu pudesse dar um conselho…
Se eu pudesse dar um conselho a quem tem diagnóstico recente ou convive com quem tenha doença crônicas, especialmente a EM, e mais especificamente ainda para mulheres negras, ele seria para, a despeito de tudo e qualquer coisa, lembrar que: a gente NUNCA sabe o que está por vir. A vida por si só é assim o tempo todo conosco, mesmo quando não temos o laudo. Entende? Se der medo, insegurança, vai assim mesmo, mas não deixe de fazer o que quer que seja por VOCÊ. No seu tempo, na calma, se priorizando e se amando. Isso também é produção de saúde.
Mas, como dizem as minhas mais velhas, se conselho fosse bom, conselho não se dava, se vendia.
Aliás, esse texto é pra me lembrar que eu, antes de todas as tantas camadas que fazem com que o meu corpo seja o que é, este mesmo corpo que habito é meu primeiro território e é humano, precisa de cuidado e respeito.
Não esquece disso por aí também não, tá?
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