Eu sei! O título não é bom. Não revela muito sobre o tema desse post. O que quero dizer com “localidade” é sobre aqueles constrangimentos materiais que nos são impostos de acordo com a região que habitamos. Ter esclerose em uma capital ou no interior não é a mesma coisa. Igualmente é diferente o tratamento da EM se morarmos em uma zona rural ou urbana.
No último post tratei das limitações impostas pelo poder aquisitivo sobre a experiência com uma doença, mas minhas próprias conquistas com o SUS, pode dar uma cor demasiadamente otimista para uma situação que nem sempre funciona. Às vezes, não adianta saber o que pode ser feito se estamos longe dos grandes centros de pesquisa e tratamento de EM. A potencialidade de saber que algo poderia nos ajudar, mas não está acessível em nossa região pode ser uma sensação bem frustrante. Nem sempre as possibilidades dependem unicamente de nosso esforço individual, mas estão condicionadas pela estrutura social, física e mental.
Atualmente, moro em Porto Alegre. Uma capital que me fornece as condições necessárias para um tratamento adequado e a manutenção da minha vida profissional e social. No entanto, já me questionei muitas vezes se teria as mesmas possibilidades, produtividade e prazeres atuais se morasse em outro lugar. Esses dias, estava indo para a fisioterapia, “dirigindo” a minha cadeira motorizada e conversando com a minha mãe, quando ela disse: “se ainda morássemos em Suzano (município de São Paulo onde morávamos) ia ser difícil você ir em uma fisioterapia, pois no nosso bairro (talvez na cidade inteira) as calçadas não têm rampa”.
Mesmo quando morava na capital, onde estão teoricamente os melhores tratamentos nem sempre era possível realizá-los. Afinal, em uma cidade grande, de um bairro ao outro levaria horas de viagem e, além disso, São Paulo tem um ritmo próprio e não é tão convidativa para quem tem EM e anda em ritmo mais lento. Dessa forma, mesmo que tenhamos o dinheiro para pagarmos tratamentos, acesso a medicamentos e equipamentos de mobilidade etc., se a estrutura arquitetônica e psicológica da cidade em que moramos é avessa às nossas condições, encontramos aí um empecilho sério.
Do que adianta sair de casa se as pessoas olham torto para alguém de bengala? O que interessa ser bem aceito por amigos e sociedade se não há a estrutura para fazermos isso com autonomia: rampas e banheiros acessíveis, por exemplo? Dependendo do lugar e da vida material e imaterial de uma região os elementos trabalham de maneira conjugada. Quanto mais acessível for uma cidade, mais uma pessoa com deficiência poderá sair de casa e menos será tida como estranha a sua presença em bares, shows, na rua etc.
Às vezes, a Bruna me conta a respeito de uns e-mails que recebe sobre atitudes médicas absurdas e assustadoras. A vontade é de falar para a pessoa: fuja o mais rápido possível. Mas o que fazer se os próprios médicos estão sujeitos às limitações regionais. Nem sempre dispõem da estrutura que lhes permita um conhecimento adequado sobre EM ou o aprendizado constante necessário a se informar sobre as novidades de tratamento. O melhor, nesse caso, seria indicar para a pessoa procurar um centro de referência, geralmente disponíveis nas capitais. Mas o que fazer se a pessoa mora no interior e está horas de viagem da capital do Estado? O melhor seria reconhecer a localidade como um importante limitador do tratamento e da experiência de se viver com Esclerose Múltipla.
Sem dúvida, o local é importante. Há certos tratamentos e benefícios que dependem da presença do paciente. Laços de amizade são fundamentais no tête-à-tête. Nada pode substituir um abraço ou um ombro amigo. No entanto, há relações e amigos que fazemos independente de cidade, Estado ou país. Às vezes, nos aproximamos de pessoas distantes de nós espacialmente, mas que compartilham escolhas e diagnósticos. A Esclerose, no fim, pode nos aproximar e as experiências de outros pode ajudar. O virtual torna-se um espaço de cumplicidade e o individual pode gerar identidades de grupo,.
É comum se aceitar uma oposição quase inquestionável entre o virtual e o real. Mas como a Bruna sempre me diz, essa distinção pode ocultar a importância e a realidade dessas relações construídas através da tela. Informação e ideias são elementos eminentemente migratórios, não se sedentarizam em único local. Não escolhem cor de pele, gênero, classe social, idade, cidade, Estado ou nação. Atinge a todos. A isso, há um retorno ao material. A partir da leitura de uma experiência num blog ou notícia, ficamos sabendo mesmo distantes sobre produtos, tratamentos, gambiarras, sintomas etc. Como não é possível estar em todos os locais, a informação continua sendo o melhor remédio, como diz o lema da AME.