EM e Sexualidade – O imperativo da performance

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Assim que acabamos de gravar o programa do Qualidade Vivida sobre Sexo, a Bruna virou para mim e disse: Eu fico tão feliz de você discutir certas coisas sem pudores e vergonhas. E, sinceramente, eu também fiquei, mas não posso negar que isso foi um processo demorado de amadurecimento. Felizmente, o vídeo foi um sucesso. Por email e pessoalmente recebemos muitas contrapartidas, algumas elogiosas, outras questionando uma possível superexposição de nossas vidas pessoais.

No entanto, o vídeo foi só um detonador para um desejo antigo. Depois de seu lançamento, em uma dessas conversas de casal pós-sexo, eu e a Bruna pactuamos e nos comprometemos a tratar mais sobre o assunto publicamente. Com todo bloqueio que o assunto recebe de nossa sociedade, moralizando o corpo que deve ser exposto e o comportamento que é permitido fora da alcova, achamos necessário abordar a questão mais amplamente. Para nós, o pessoal é político e as experiências e narrativas individuais podem atingir e auxiliar outras pessoas e grupos. Nesse caso, como acreditamos, a exposição é quase um dever.  Ela já fez isso em seu blog e agora faço eu aqui.

Lembro que meses atrás li um texto no blog da Cynthia, que certamente estava em minha cabeça quando montamos o roteiro e gravamos o programa. Indico muito a leitura, principalmente a esclerosados do sexo masculino, pois trata da relação da EM e os homens. À época fiquei chocado com um dado que trazia: apenas 6% dos pacientes de EM relatam problemas sexuais aos seus médicos. Pasmem!!!

Seja por vergonha ou inadequação a uma figura pré-concebida no imaginário social, as pessoas não falavam sobre isso, o que afeta diretamente a promoção de saúde e qualidade de vida dos pacientes. Afinal, impacta na possibilidade de um tratamento efetivo para o incômodo e causa uma frustração dos desejos e expectativas, pois o comportamento requerido é pouco harmônico com a realidade.

Há, em nossa sociedade, uma cultura que nos impele a exigência de uma boa performance. Variedade de posições, resistência, potência, “pegada”, levamos pra cama diversos elementos que se antecipam a qualquer experiência sexual, como se houvesse um manual secreto que definisse nossa conduta. Antes mesmo da porta fechar ou a primeira peça de roupa ser atirada ao chão, somos conduzidos por expectativas que orientam o sexo, mas que, também, causam frustrações se não atingidas.

E, de verdade, não precisamos disso. Esse pacote não é saudável pra ninguém, ainda mais para quem tem EM. Às vezes precisamos negociar o desejo que ocupa a mente com as possibilidades do corpo naquele momento. Coisas como fadiga, equilíbrio, dores etc., fatalmente não podem ser ignoradas. Nossas expectativas devem estar alinhadas à nossa experiência.

Para o homem, esse ideal de perfomance e expectativa estão quase sempre associados com a ereção. E essa é outra armadilha que devemos evitar. Para mim, foi muito benéfico me livrar desses discursos de potência e deixar essa imagem do “macho alfa” fora do quarto. O sexo melhorou enormemente e se tornou muito mais prazeroso para mim e minha parceira quando parei de correr atrás daquilo que deveria ser e fazer; quando parei de deixar que uma construção pública do senso comum se levantasse contra meu corpo, meu ser; e quando ampliei o sexo para além da ereção.

Na minha Ressonância Magnética, tenho um observável afunilamento da medula. E, por mais que tenha tesão, às vezes isso não é o suficiente. Às vezes, o pau sobe, às vezes não. Às vezes nem com remédio. No entanto, em certas ocasiões utilizo sim facilitadores de ereção. Assim como preciso de uma medicação para espasticidade, outra para fadiga, ainda outra para regular a bexiga, não tenho nenhum problema de, às vezes, fazer uso de um comprimido para auxiliar o cumprimento do meu desejo. Como sempre digo, a esclerose me tirou muitas coisas, menos a vontade de fazer sexo. Carregar isso como um drama privado, um segredo que ninguém podia descobrir, só me fez mal durante muito tempo, pois me afastou daquilo que era realmente.

No entanto, apesar de tudo indo contra, é maravilhoso quando, você se pega em uns amassos mais fortes com sua parceira ou parceiro; sem cobranças ou expectativas. Você faz aquilo pelo simples prazer que sente no outro, podendo acabar tanto em algo mais quente como apenas em um cafuné, carinho e conversas. Sexo não precisa ser isso ou aquilo, precisa ser bom para os dois.

Seja o que for, além do neurologista, é essencial conversar com o outro que ocupa sua cama. E caso você não tenha um parceiro fixo, às vezes vale à pena “tomar um remedinho” ou qualquer outra coisa que lhe faça se sentir mais seguro em uma nova empreitada sexual. Mas uma coisa vale como recado final: tanto homens quanto mulheres devem parar de supervalorizar um “pau duro” e elevá-lo a avaliador do fracasso e sucesso de uma relação; até porque em certos tipos de relação ele nem é convidado a participar ou mesmo necessário. Caso assim se faça, vocês verão como o sexo tende a melhorar.

 

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