Direitos e privilégios

Compartilhe este post

Compartilhar no facebook
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no twitter

Hello people!

Como vão as coisas por aí? Aqui, estou passando por uns dias de “castigo”, internada fazendo mais umas sessões de pulso para tratar meu último surto. Queria contar pra vocês um pouco dessa epopeia.

Uma das minhas principais pautas de luta por direitos é a necessidade que eu sinto de aproximar possibilidades e promessas em resultados efetivos. Infelizmente, até para termos direitos é preciso ter alguns privilégios.

Por exemplo: Todos temos direito de usar o SUS. Rico ou pobre, trabalhador ou vagabundo, coxinhas e petralhas. O SUS é para todos. Mas é inegável que quem tem acesso à informação, leva vantagem. Porque tem muita burocracia. Porque tem muita falta de comunicação entre funcionários e setores. Porque tem gente mal intencionada dos dois lados do balcão de atendimento. Por N motivos que dariam uma lista enorme aqui.

Eu tenho consciência de meus conhecimentos limitados, de minha falibilidade humana, dos meus preconceitos e prejulgamentos que eu tento abolir de minha vida mas que ainda me acompanham e de todos os defeitos que eu tenho e que interferem diretamente na maneira como lido com determinadas situações.

Mas também tenho consciência de ser ligeiramente privilegiada comparada à média da população por me considerar minimamente instruída, por buscar por informação de qualidade, por me cercar de pessoas de bem, inteligentes e com conhecimentos específicos para me ajudar. E esse último quesito, é puramente sorte.

Existe uma coisa que eu chamo de “caminho das pedras”. Esse caminho é aquele que devemos percorrer para obter o melhor atendimento, no menor tempo e de forma mais eficaz. E o conhecimento desse caminho não é dado à todos. Não há nada de democrático nisso.

Infelizmente, quem tem mais informação consegue atendimento melhor e mais rápido. E essa informação chega (ou não) para nós de diversas formas. Vejo por exemplo, pessoas velhinhas, com comprometimento de audição ou pouca instrução (ou ambos) serem informados de coisas que simplesmente não conseguem compreender, muitas vezes sem a ajuda de um acompanhante ou com o acompanhante tendo a mesma dificuldade de compreensão. E uma única informação mal compreendida pode comprometer todo o processo de busca por um atendimento adequado. E fatores como idade, grau de instrução, deficiências auditivas, cognitivas ou outras, questões culturais e/ou religiosas, capacidade de empatia e tolerância contribuem, nos dois lados do balcão (tanto de quem informa quanto de quem é informado) na maneira como a informação é transmitida e recebida.

Por causa dessas coisas, eu tive dificuldades em encontrar o meu caminho das pedras pra fazer essa pulso. Me trato normalmente no hospital de clínicas em Porto Alegre. Adoro o atendimento que tenho lá: médico, enfermeira, funcionários, estrutura. Mas para ter esse atendimento de que gosto tanto, preciso viajar 200km só de estrada, fora o que se roda nas cidades, sair de casa de madrugada, voltar tarde da noite, usar um transporte sem conforto, passar o dia fora de casa, maltratar ainda mais minha carcaça já tão judiada.

Meu médico, querido médico, sabendo de tudo isso e também do tempo de espera por vaga no hospital dia para que eu pudesse fazer minhas 5 sessões de pulso no Clinicas (de 2 a 3 meses) e querendo facilitar minha vida, me deixar perto de casa e das minhas crianças, sugeriu que eu fizesse no hospital da minha cidade. Como eu já tinha feito uma vez anos atrás, aceitei.

Mas aí entra em vigor a tal da burocracia. Da outra vez, ALGUÉM, que não me lembro quem, autorizou que eu fizesse a pulso na emergência. Fazia as duas horas da medicação e voltava pra casa, no outro dia voltava de novo. Não sei se essa pessoa que autorizou fez o certo, ou se complicou depois, não fiquei sabendo. O que acontece é que o nosso hospital não tem habilitação para atuar como hospital dia, em razão disto, aplicar medicação não é um procedimento de emergência, portanto o SUS não cobre o pagamento. As únicas soluções: pagar ou internar. Acabei optando pela segunda, porque aqui meus amigos, qualquer cinco pila é dinheiro. Pra quem vende o almoço pra comprar a janta, tudo que vem de graça é lucro. Mas até chegarmos à essa conclusão é um tal de disse-me-disse, vai-aqui-vai-lá. Por sorte, tenho muitos amigos na área da saúde e funcionários de diversas áreas do hospital que com seus conhecimentos foram me mostrando a entrada do tal caminho. Mais uma vez digo: até para usufruirmos de nossos direitos, precisamos antes de alguns privilégios.

Fico grata por ter o privilégio de ter acesso às informações que me favorecem, mesmo que seja complicado obtê-las, e principalmente de ter amigos que me auxiliam. Mas me incomoda muito pensar que quem não tem esses privilégios, possa ser prejudicado tendo que pagar um dinheiro que não tem para ser atendido, ou tenha que comprometer ainda mais a sua saúde esperando por atendimento. Ou pior ainda, desistir e ficar sem tratamento.

Uma condição igualitária é praticamente uma utopia. Não tenho esperanças de ser testemunha disso. Mas vou fazer o que eu puder e manter minhas esperanças de que futuras gerações sejam afortunadas com essa igualdade.

Explore mais