Olá amigo múltiplo e amiga múltipla,
Eu sou a AME e convivo com a EM desde minha concepção. A EM faz parte daquilo que eu sou, do que me tornei e é responsável por muitas de minhas ações. Assim como é com você, que aprendeu ou está aprendendo a conviver com a EM na sua vida.
Ter o diagnóstico de uma doença que nos acompanhará pela vida não é algo fácil, não é? Exige muitas mudanças no nosso dia a dia. Algumas são até para melhor, mas toda mudança implica em tirar a gente do nosso lugar de conforto e ter que se reinventar.
Nesse processo de invenção e reinvenção de nós mesmos buscamos informações não só sobre aspectos clínicos da doença, aspectos esses que nossos médicos e médicas podem nos explicar com perfeição. Mas queremos saber como é viver cotidianamente a doença. Como é dormir e acordar com ela. Como é trabalhar, ser mãe, pai, filha, filho, amigo, amiga com a EM nos acompanhando. E é nessa busca que encontramos pessoas que convivem com a EM também. Estudiosos das ciências sociais denominam esses processos de bioidentidades e biossociabilidades.
É conhecendo outras pessoas que vivem com EM que vamos nos identificando com essa nova forma de viver a vida. E no caminho da identificação vamos construindo novas identidades. Além de sermos tudo o que já éramos antes, temos mais uma identidade, a de esclerosado ou esclerosada.
Muitas pessoas não gostam desse termo. Acham que é pejorativo. Pois bem, eu gosto dele, porque me ajuda a explicar que a EM não é apenas a doença que me acompanha, mas é uma parte de mim, uma parte que não é meu todo mas que me constitui enquanto ser no mundo.
Etimologicamente esclerose quer dizer endurecimento, e na esclerose múltipla quer dizer múltiplas placas de endurecimento da mielina, que são, resumidamente, as nossas lesões. Ainda etimologicamente falando, o sufixo ADA/ADO significa aquele que tem tal coisa. Esclerosada é a pessoa que tem esclerose. Viu só como não tem nada de pejorativo nisso?
O que existe sim é uma cultura de usar doenças como se fossem xingamentos, castigos ou um azar. Assim, em nossa sociedade, tendemos a achar que doença é algo absolutamente ruim e que se deve esconder; já identidade é algo bom e deve ser exaltada. Na minha vivência, doença e identidade andam juntas, porque carregar a doença em meu corpo faz com que ela seja uma de minhas múltiplas identidades.
Algumas pessoas preferem usar o termo portador de EM, mas, vejam bem, ninguém porta uma doença ou uma deficiência, simplesmente porque só portamos aquilo que podemos deixar de portar quando bem entendermos, ou seja, uma arma, uma carteira… ou vocês já viram alguém dizer que porta olhos azuis e pele branca? Então, se você não se sente à vontade para falar esclerosado ou esclerosada, pode falar Pessoa com EM. Assim, você valoriza a pessoa e diz que ela tem a doença, mas de outra forma, com outras palavras.
Há também quem goste de se chamar de paciente de EM. Eu só me considero paciente de EM diante da minha equipe médica. Fora desse ambiente, não me parece caber a palavra paciente, tão carregada de significados de reabilitação e cura que têm na área da saúde.
E há ainda as pessoas que se dizem doentes de EM. Bom, com esses eu discordo totalmente, afinal, não estamos sempre doentes. É bem verdade que tem certos dias que nos sentimos doentes mesmo, então, guardemos esse vocabulário para esses dias. Não é porque tenho uma doença que estou doente o tempo todo. Pelo contrário, luto diariamente para ter qualidade de vida e saúde com a EM e não apesar dela.
E, da próxima vez que você se perguntar “como devo chamar quem tem esclerose múltipla?”, lembre-se de chamar pelo nome. Todos nós temos um nome, ou apelido que nos identificamos, e devemos ser chamados por aquilo que nos identifica mesmo. Se você já se sente à vontade, como eu e como muitos amigos múltiplos, a ver a doença como uma identidade, como um aspecto de socialização na sua vida, então pode chamar de esclerosado e esclerosada. Se você acha que não, ou que não se reconhece nessa identidade, então diga que é uma pessoa que tem EM.
O mais importante, nesse processo todo, é aprendermos a conviver bem com a doença que nos acompanha.
Texto: Bruna Rocha Silveira – Vice Presidenta da AME, publicitária, mestre em comunicação social (PUCRS), doutora em Educação (UFRGS), blogueira.