A vida é uma tragédia quando vista de perto, mas uma comédia quando vista de longe.
Charlie Chaplin
Confesso que não estava muito animado em fazer qualquer retrospectiva ou resolução de final de ano. Tinha outros temas em mente para esse post e estava bem inclinado a ignorar qualquer tentativa de descrever ou refletir sobre meu ano. Em um primeiro momento, pensei: ah, não tenho nada para escrever. Esse foi um ano estranho, em que piorei bastante dos sintomas da EM e não queria ficar narrando unicamente sobres as dificuldades e a sensação de degenerescência. Tal coisa poderia soar como um coitadismo com toques de autopiedade, afinal indicam uma evolução e uma experiência unicamente individual. No entanto, as reflexões das outras blogueiras (da Fabi, da Tuka, da Bete e da Bruna) me levaram a pensar melhor sobre esse ano e me impulsionaram a escrever algo sobre.
Comecei o ano cheio de expectativas. Depois de muito tempo só vendo pioras, finalmente consegui perceber melhoras. Estava fazendo fisioterapia duas vezes por semana e no início do ano estava começando a treinar caminhadas sem apoio (barra, bengala etc). Estava indo bem e com esperança de logo não estar precisando de apoio para andar. No entanto, como sabemos, nossa “companheira” é um tanto imprevisível. Certo dia, minhas pernas começaram a ficar inchadas e meu equilíbrio deu sinais profundos de instabilidade.
O resultado foi uma pulsoterapia. Nessa época já escrevia aqui na AME e descrevi parte da sensação em um post. Devido às novas dificuldades, passei a ficar mais dependente e a precisar cada vez mais de ajuda. Essa nova condição me levou a pensar a respeito da disponibilidade da ação e da relação cuidador-cuidado. O que gerou uma série de posts, que começou aqui e terminou aqui.
Desde então minha marcha piorou muito e mesmo caminhar dentro de casa, de um cômodo para o outro, ficou mais difícil. Se estava em processo de me “desmamar” do auxílio da bengala, precisei cada vez mais de um outro apoio, seja o da parede ou de outra pessoa. Quedas se tornaram frequentes e junto a elas, como resultado, machucados, roxos pelo corpo e galos na testa. Termino o ano desejando um andador de presente de natal e, às vezes, precisando da cadeira de rodas mesmo para deslocamentos pequenos dentro de casa.
Outra coisa que piorou bastante em 2015 foi o meu equilíbrio. Agora preciso pedir ajuda dos outros para me levantar, sentar e trocar de roupa. Às vezes, necessito de auxílio até para me cobrir e virar na cama. Mesmo deitado às vezes é difícil. Antes dizia que era uma pessoa tão melhor quando estava sentado. Todavia descobri que essa frase nem sempre é verdade. Ficar sentado pode ser bem desconfortável, uma luta para se equilibrar, que resulta em fortes dores nas costas. E nesses casos preciso obrigatoriamente me deitar ou de um assento com encosto.
Outra novidade com que precisei me acostumar nesse ano foi o uso de fraldas e absorventes diários. Meu sistema urinário enlouqueceu. Às vezes, precisava de um banheiro urgentemente e nem sempre conseguia chegar a tempo. Algumas vezes, uma “proteção” era suficiente e segurava pingos apressados e incontroláveis; outras nem mesmo ela bastava e via a necessidade de trocar a bermuda e a cueca, ou mesmo era preciso pegar um pano para secar o chão. No entanto, em alguma medida, era uma experiência de contrastes, que oscilava entre o ter que ir ao banheiro quatro vezes durante a noite e o ir, mesmo com vontade, e nada, não conseguir fazer sequer uma gota. Para sair de casa, às vezes era preciso um “fardamento” e uma “proteção” especial. Em 2016 inicio um tratamento. Aguardemos!
Igualmente, nesse ano decretei a morte do meu lado esquerdo. Por causa dele fiz 4 pulsos. Por causa dele, atualmente preciso de ajuda para me servir e cortar carnes durante as refeições. A falta de força no braço torna mesmo coisas simples, como apoiar, segurar um prato ou copo uma missão difícil. A perna arrasta e pesa. O pé não mexe se desejo. E, por isso, preciso de ajuda até para puxar as pernas. Brinco que se tivesse cordas amarradas nos pés, como um títere, as coisas seriam bem mais fáceis. Enquanto isso, dependo dos outros.
Enfim, olhando unicamente para a Esclerose Múltipla, posso dizer que só piorei. Por tudo isso, não achei que tinha algo de bom a falar sobre 2015. No entanto, refletindo melhor, posso dizer que, tirando a EM, esse foi um dos melhores anos da minha vida. Algo que não reconheceria se focasse apenas na doença e nas dificuldades que ela trouxe. Sempre discursamos que não podemos ser reduzidos à esclerose, que nossa vida é mais do que isso, mas acabei preso na armadilha da perspectiva única. E, por isso, é bom parar e observar as mesmas coisas por ângulos diferentes. Enxergar o outro lado, sabe?
Primeiro tenho que reconhecer que se tive problemas, igualmente tive pessoas dispostas em ajudar, me auxiliando a ultrapassar os obstáculos que surgiram no caminho. Sou muito grato a todos que me ajudam, me amam e mudaram sua vida pela minha felicidade. Espero retribuir de alguma forma e em algum momento.
Em 2015, também tive a oportunidade de começar o doutorado. Algo que apesar de acreditar ser plenamente capaz de realizar, tenho que reconhecer que a ajuda de todos que se envolveram no cumprimento dessa tarefa foi essencial, seja me acompanhando nas aulas e provas, seja com caronas, seja me ajudando a digitar algum texto quando as mãos cansam. Igualmente, tenho que agradecer muito ao meu orientador e colegas que toparam adequar as condições segundo minhas necessidades e por brigarem por uma Universidade mais acessível.
Esse ano, também não posso esquecer, conseguimos quitar o financiamento do apartamento e podemos dizer, eu e a Bruna: é nosso! Às vezes olho o nosso apartamento e fico maravilhado com o que conseguimos. Gosto de olhar cada canto da casa satisfeito com cada lugarzinho. É tão perfeito que, inclusive, as portas e os cômodos são largos e passam facilmente uma cadeira de rodas. Posso ser “rebocado” em qualquer lugar e ser levado a qualquer cômodo.
Por falar em cadeira de rodas, consegui pelo SUS/AACD uma cadeira motorizada. A Bruna descreveu os meandros da transação nesse post. É uma autonomia incrível. É ótimo sair de casa sem precisar ser empurrado. Esses dias fui até “dirigindo” a um bar, para encontrar um casal de novos amigos que a Bruna conheceu pelo blog, o Léo e a Carol. Autonomia é algo tão simples, tão bobo, mas é uma sensação indescritível.
Com a venda da casa de Suzano, conseguimos quitar o apartamento e consegui ajudar pessoas que sempre me ajudaram. É ótimo ver que seu auxílio foi útil e providencial para a quitação de dívidas antigas. Fiquei muito feliz mesmo em poder fazer algo. Financeiramente também não posso reclamar. É ótimo terminar o ano sem dívidas e com saldo positivo. Nem lembro quando foi a última vez que isso aconteceu.
E, por fim, não posso esquecer, comecei a escrever na AME. Depois de anos maturando coisas na mente, finalmente as consegui colocar em texto; além de poder compartilhar experiências com pessoas maravilhosas. Também, cabe aqui um agradecimento àqueles que confiaram em mim e me convidaram a fazer parte dessa equipe em sua formação, antes mesmo de ter um blog. Gustavo e Bruna, obrigado de verdade!
Enfim, ainda teria muito a dizer e muitas pessoas a quem agradecer, mas termino por aqui. Pra quem achou que não tinha nada a dizer sobre 2015, já escrevi demais. Mas, sintetizando, não quis descrever os acontecimentos da minha vida nesse ano por achá-los tão interessantes e relevantes aos outros, mas apenas para tomá-los como exemplos para uma reflexão maior, que superasse o âmbito individual. É necessário pensar sobre o outro lado das coisas, nada é unicamente mal e, da mesma forma, não nos cabe cair num otimismo irrefletido e achar que tudo é unicamente bom. Às vezes, um passinho pra trás é suficiente para transformar um borrão em uma imagem interessante, com formas bem definidas.
Ainda não sei o que o próximo ano nos reserva, mas certamente vai ter muita coisa boa por aqui: novos blogueiros, o lançamento do Guia e do blog do Viajante Esclerosado, a disponibilização do aplicativo da AME. Não sei, mas estou ansiosíssimo pelas novidades de 2016. Ano que vem também, logo no início, teremos o lançamento do programa Qualidade Vivida, que eu e a Bruna gravamos falando de Sexo e EM, com muito amor, carinho e um pouquinho de sacanagem, hehe. Estamos curiosos para ver o resultado. Para terminar, obrigado por 2015 e um ótimo 2016. Nos vemos ano que vem.