Gratidão (#JuntosSomosMaisFortes)

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Há uma frase meio senso comum e com cara de autoajuda, que diz que você deve deixar de ser um ator coadjuvante e se tornar o ator principal de sua própria vida. De fato, muitas vezes parece que não temos o controle de nossa existência, representamos apenas um papel secundário. Vivemos burocraticamente, como se exercêssemos uma função que preenchesse a vida de outro, mas não a nossa. Como um funcionário que bate seu cartão ao fim do dia, ganha o seu salário no final do mês, mas não trabalha para si, nem produz algo que agregue valor à sua vida, passamos os dias sem substância.

Acho que sempre cumpri esse papel. Girava na roda sem a coragem de entrar em seu centro para dizer um verso bem bonito e ir se embora, como diz uma conhecida ciranda. Ouvia aquela frase como um imperativo: Acorde! Faça alguma coisa por si. Torne-se o ator principal da sua vida! Mas isso sempre me pareceu uma atitude individual, um ato de “superação”. Bastava eu me esforçar para encenar o papel principal daquele filme que recebia o meu nome. Mas nunca atingia o objetivo.

No entanto, não deixa de ser engraçado o fato de que é justamente nesse momento em que dependo bastante de outras pessoas para tudo, que sinto que finalmente assumi o papel principal da minha vida. E isso não dependeu unicamente de mim, como acreditava ser o sentido original da frase. Mas ao reconhecimento da dependência e da ajuda do outro para que eu conseguisse executar algo. Venho há alguns posts pensando a ação e a partir de hoje gostaria de começar a refletir sobre nossa possibilidade de agir em relação aos outros.

Assumi o papel principal da minha vida porque, às vezes, parece que todos estão empenhados em me fazer ficar melhor e continuar. Parece que todos me auxiliam como podem. Sou o ator principal de um filme em que todos estão dispostos a me ajudar a desenvolver o enredo que tracei. E a isso sou muito grato. Assim, o assumir a sua vida não é simplesmente uma ação individual de libertação, mas uma vontade coletiva que lhe permite fazer o que deseja. E isso, ampliado a um nível social, está disposto também nas escolhas e lutas que a população e os poderes públicos traçam por mais acessibilidade e mobilidade. Nesse caso, nem sempre o esforço dos amigos é suficiente para ultrapassar uma barreira arquitetônica, atitudinal, econômica etc. Uma ideia que é tida como superação, se torna um ato de gratidão, quando você percebe que uma ação não depende unicamente do seu esforço pessoal.

Temos mania de analisar as coisas sobre a perspectiva individual da superação e não olhamos o entorno, aquilo que possibilitou que chegássemos aonde chegamos. A ideia de superação, numa perspectiva individual, carrega a concepção de que os elementos necessários ao rompimento das amarras que nos prendem já estão inseridos no interior do próprio objeto. Por esta perspectiva, cabe unicamente a mim “vencer”, “superar”. E todas aquelas condições que dificultaram sua luta são esquecidas.

No outro lado está uma perspectiva coletiva e antimeritocrática, que cobra por mudanças, pois sabe que a corrida é mais fácil e mais justa quando se iguala as condições de partida. Há, assim, o reconhecimento de que mesmo com todas as dificuldades foi essa estrutura que me permitiu chegar aonde cheguei. Pois sei que há algumas coisas que por mais que me esforçasse, não conseguiria fazer sozinho. E tenho clara consciência de que se não fosse esse suporte não conseguiria realizar certas ações, meus sonhos, minhas batalhas etc., por mais que quisesse. Se não fosse essa estrutura não estaria casado, morando em Porto Alegre, fazendo doutorado e fisioterapia.

Sei que essa não é a realidade de todos. Ter Esclerose Múltipla pode ser mais ou menos difícil dependendo do lugar, da sociedade, do entendimento e auxílio de familiares e amigos. Sem ajuda, nos cabe apenas “se superar”, pois devemos lutar contra uma sociedade que não nos acolhe e a desinformação daqueles que nos rodeiam. Uma configuração social que faz de tudo para não “existirmos”. Existir no sentido mais amplo possível, incluindo estudar, trabalhar, se relacionar, sair etc.

Não quero dar exemplos individuais ou citar nomes, mas sou extremamente grato a todos que compartilham suas vidas comigo, me ajudando e me ensinando. Deixo a todos aqui minha verdadeira gratidão. Obrigado por me fazerem sentir o ator principal de minha vida. E àqueles que não têm tantos motivos para agradecer, pois precisam lidar o tempo todo com barreiras e desinformação, saibam que não estão sozinhos. Há uma série de esclerosados aqui do outro lado da tela dispostos a lutar as mesmas batalhas, pois #JuntosSomosMaisFortes.

 

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