EM e Trabalho (Parte 1) – Renda, tempo e vida social

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Em nossa sociedade o trabalho é considerado ao mesmo tempo um castigo e uma libertação. Se por um lado, pode parecer um fardo a se carregar dia após dia unicamente em troca de um salário, pode ser aquilo que nos proporciona contentamento e satisfação. É ótimo sentir aquela sensação de dever cumprido e de terminar um trabalho avaliado positivamente pelos os outros e por nós mesmos. Mas em nossa sociedade, além de todas as conquistas que pode fornecer e necessidades que possa suprir, trabalhar constitui um capital moral, que avalia positivamente quem está empregado e desabona quem não exerce uma atividade.

Dessa forma, o trabalho para quem tem EM pode ser uma questão em aberto e que dificilmente possibilita respostas definitivas e universais. O tema já foi muito abordado por nossos blogueiros, aqui na AME ou em seus blogs pessoais, nos proporcionando uma diversidade de relatos, experiências e reflexões sobre o assunto. A minha intenção original era tratar o tema em um único texto, mas devido ao tamanho que a coisa estava tomando resolvi dividi-lo em outras partes. Assim, tentei organizar de uma maneira menos formal, tratando o assunto não como um problema a ser solucionado, mas como uma situação em que se reconhece a tensão entre esses dois elementos e que não encerra a questão, mas mantém uma tensão saudável e fundamental entre Trabalho e Esclerose Múltipla.

 

Renda, tempo e vida social

O primeiro ponto é que o trabalho é necessário especialmente por uma questão de sobrevivência. É a partir dele que conseguimos nosso sustento material, meio pelo qual conseguimos a satisfação de nossas necessidades e desejos, seja alimentação, vestimenta, habitação ou lazer. Assim, exercer uma função é necessário para a própria manutenção da vida.

No entanto, há aí um problema: como fazer isso com um corpo doente? Como relacionar todas as condições que a EM nos exige, com um tempo impessoal e igualitário? O relógio não distingue indivíduos e se impõem como indiferente às necessidades especiais, sejam elas de idade, gênero ou condição física. Como lidar com todas as exigências do trabalho com as fadigas, deficiências e rotinas de tratamento que a EM pode acarretar?

O tempo do esclerosado não é o mesmo do tempo social, não é o tempo do relógio. Desde a Revolução Industrial, o trabalho se organizou sob a alienação do tempo do trabalhador, confinado a um determinado espaço. Assim, vendemos o nosso tempo e uma utilidade corporal específica (física, mental, criativa etc). Por tal modelo de organização do trabalho, vendemos nosso tempo para estarmos presentes na empresa, faça chuva ou faça sol.

Talvez precisemos de 8h de trabalho para realizar uma tarefa, talvez consigamos terminar o mesmo trabalho em 20 min. Não importa! Mesmo que desenvolva sua função mais rápido do que a maioria, vai ter que cumprir o horário. Nossa estrutura trabalhista não está organizada no cumprimento de uma tarefa, mas no cumprimento de um horário. O relógio não discrimina facilidades ou dificuldades, nem condição física. No entanto, com um corpo doente, que requer cuidados constantes, o tempo impessoal e mecânico não harmoniza muito bem. Se formos arriscar uma aproximação, nossa condição corporal se relaciona mais ao tempo natural do camponês de antes do modo de produção fabril do que a do workaholic do século XXI.

Além disso, para aqueles em vida adulta o espaço do trabalho pode ser igualmente um fornecedor de identidade. Sua profissão diz muito do que se é e, às vezes, ter uma doença que lhe impeça de seguir uma atividade é um motivo tão profundo para reflexões, mudanças e adaptações quanto o próprio diagnóstico. Em uma apresentação pessoal, a indicação da profissão que se exerce é quase sempre o primeiro ou segundo elemento que se revela. Eu sou “x”. E a pergunta “o que você faz da vida?”, está quase sempre associada a uma atividade profissional.

Essa identidade que um emprego nos fornece é compartilhada com outras pessoas e o local do trabalho é um espaço riquíssimo para a construção de fortes laços de amizade. Às vezes, por conta da EM (ou qualquer outra enfermidade) somos afastados desse ciclo ou nossa presença não consegue manter o ritmo anterior e garantir assiduidade em todas as festas, confraternizações ou mesmo no espaço do trabalho.

O deslocamento a esse espaço diferenciado do trabalho igualmente nos proporciona um número incontavel de encontros, com pessoas desconhecidas ou não. A organização do trabalho em nossa sociedade exige um sincronismo social, mesmo que às vezes esse nos passe despercebido ou seja naturalizado. Para o próprio funcionamento da cidade, dependemos que diferentes pessoas exerçam diferentes funções, de transporte, de atendimento, de venda etc. E, de certa forma, estar afastado de uma atividade é também estar afastado desses contatos e de toda a diversidade social.

Tudo isso nos leva apenas a problemas, mas também nos força a reflexão e ao enfrentamento. A relação entre EM e trabalho é complexa, pois o que está em jogo não é apenas as escolhas que fazemos ou a adequação do nosso corpo à estrutura do trabalho, mas justamente o contrário, a completa inadequação dos ambientes de trabalho, instituições, funcionários etc. a um indivíduo que requer condições especiais para atingir o máximo de sua eficiência.

 

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