Cuidando do cuidador. Ou a parte que nos cabe…

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Somos moldados em e para uma estrutura em que é vergonhoso depender de alguém. Somos ensinados a sermos independentes e a fazermos tudo sozinhos. Mesmo que aceitemos, depois do diagnóstico, que esse ser autossuficiente é (e sempre foi) uma ilusão, não é tão fácil assumir esse papel de uma pessoa que requer cuidados.

Para mim, essa aceitação foi um aprendizado, assim como se aprende um idioma ou um instrumento musical. Precisei de um tempo para aceitar que não estava sendo “folgado” por não fazer tal tarefa. Ou, por exemplo, deixar de comparar meu novo tempo e condição com o meu antigo ritmo de vida ou o de outras pessoas. Parece besta, mas sabe aquelas coisas que vivemos explicando para os outros? Então, precisei explicar e convencer a mim mesmo.

Entender e aceitar essa condição é, de alguma forma, perceber que você deve dispor de sua imaginada independência e compartilhar voluntariamente sua possibilidade de escolha com um outro. É como ter um copiloto em sua própria vida. Essa relação exige uma negociação constante. Ambos devem estar atentos para que as decisões não caibam somente a um dos lados. Deve ser compartilhada e flexível para que o voo não saia da rota.

Por isso, não devemos transformar esse binômio (cuidador-cuidado) em uma hierarquia fixa, estável, em que só um decide e em que os papéis estão dados de início. Ao invés disso, seria melhor pensar em uma estrutura em que essas funções possam, caso seja necessário, se inverter durante o ato. Ou seja, às vezes é necessário cuidar do cuidador.

No meu caso em particular há um agravante: a minha principal cuidadora, a Bruna, minha namorada-noiva-esposa-companheira, também tem esclerose múltipla. Isso faz do meu cuidado ainda mais imprescindível. Por compartilhar, na prática, algumas dores, sintomas, fadigas etc., sei o quanto é preciso cuidar e entender o outro lado.

Isso é uma regra de ouro a ser aplicada em qualquer relação de amizade, de relacionamento, entre irmãos, entre pais e filhos. Afinal, independente do caso, sempre é bom e necessário cuidar de quem cuida bem de nós. Geralmente entre cuidador-cuidado, mesmo devido a um contrato profissional, existem laços de afeto e cumplicidade. Por isso, o mínimo que podemos fazer para retribuir essa disposição do outro a te ajudar é pensar como podemos fazer para facilitar o seu trabalho e não lhe sobrecarregar.

Por não ter muito claro quando sou cuidado, quando sou cuidador e quando cuido do cuidador, precisei aprender a exercer essas três funções. Dessa forma, pensei algumas coisas que fiz/faço e que me ajudaram. Sem pretensão de querer dar fórmulas mágicas, indico certas atitudes que, acredito, podem melhorar essa relação.

Estado de espírito: Sei que às vezes é difícil sorrir com dores e em determinadas situações. Mas certamente deixamos o auxílio do outro mais agradável se não ficamos lançando ordens ou olhares tortos e emburrados. Podemos não ter nada a oferecer fisicamente, mas ainda assim podemos auxiliar com atenção, uma conversa, carinho, um sorriso etc.

Noção de tempo: Quando necessitamos de outra pessoa precisamos ter noção de que entre a vontade/necessidade e o cumprimento da tarefa/desejo, há um tempo próprio. As coisas não acontecem imediatamente. Não é desejar e fazer. É preciso sempre se adequar à disponibilidade do outro.

Diferentes tipos de auxílio: Assim como temos que aprender a sermos cuidados, aquele que nos auxilia também tem que aprender essa função. Com o tempo a pessoa aprende como você gosta de ser cuidado e você aprende como aquela pessoa age quando lhe ajuda, fazendo com que sua programação já inclua certas atitudes do outro. É um aprendizado mútuo e um vai se adequando ao outro.

Cuidar da Saúde: Quem passa pela experiência de viver com uma doença, naturalmente, já tem que adotar hábitos e atitudes mais saudáveis. No entanto, isso fica ainda mais essencial quando se é cuidado. Não pela estética, mas para diminuir o esforço do outro. Quando precisamos de ajuda para nos levantar, segurar ou locomover, estar mais leve ajuda muito. Por isso, reduzir o peso, comer bem, beber água, fazer exercícios (dentro das possibilidades de cada um) é sempre bom.

Saiba como ajudar: Temos que ter noção do que podemos fazer. Antes gostava de ficar responsável por arrumar a mesa, mas chegou um tempo que a probabilidade de eu derrubar um prato ou um copo era maior do que as minhas chances de realizar aquela tarefa com sucesso. Então, tive que parar. A satisfação de fazer certa coisa se transformou no medo e na preocupação, minha e dos outros, de que algo pudesse dar errado. Ser realista é o melhor nesse caso. Às vezes, o melhor jeito de ajudar é não tentando ajudar.

Não quer incomodar e incomoda ainda mais: Esse tópico está intimamente ligado ao de cima. Uma coisa que aprendi é que, às vezes, eu tentava fazer algo mais difícil para não incomodar alguém e, no fim, acabava incomodando ainda mais. Por não pedir ajuda para servir comida derrubava na toalha, por não pedir ajuda para levar o notebook o deixava cair, etc. Por não querer dar trabalho, dei ainda mais e o que era uma ajuda simples virou uma queda, uma roupa suja, algo quebrado etc.

Não queira cuidar de quem está sendo cuidado: Às vezes você quer ajudar e atrapalha, porque quem já está cuidando não sabe se cuida do outro ou de você, que supostamente queria ajudar. Por exemplo, quando acompanho a Bruna para fazer pulso vou com a intenção de auxiliar, mas sinto que sou mais cuidado do que cuidador.

Bom, essas são algumas coisas que pensei sobre como posso ajudar quem está cuidando. Ou seja, qual é a parte que me cabe nessa relação. Assim como a função do cuidador a posição do cuidado não é fixa. Precisamos ajudar quem teoricamente está ali para cuidar.

 

PS: A Bruna escreveu sobre mesmo tema no blog do Living Like You, acesse aqui.

 

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