A história de Alice nas histórias de outros -2

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Olá,

Como havia prometido… a segunda parte da história eu vou contar hoje… É a história de Ademir, aquele outro amigo que a EM me trouxe. Ele tem a minha idade e procurou um diagnóstico durante 10 anos.

Uma história muito singular é a de Ademir Pedro. Ele nasceu em 22 de fevereiro de 1974, é o primeiro filho de um casal como tantos outros que sonham em ter uma família cristã, honesta, modesta e saldável. Como a família de Nilza, sempre foram moradores de Joinville, mas atualmente apenas ele mora na cidade, os demais estão em uma casa na praia. O casal teve Ademir ainda muito jovem e logo depois a irmã caçula. Ele se emociona em lembrar dos carinhos da mãe, do colo que ainda parece quente em suas lembranças. Essas lembranças “são azuis”, ele diz, a cor que metaforicamente o acaricia enquanto lembra. O pai, ele admira por ser “um homem que nunca reclama de nada”, com preceitos de honestidade e verdade que marcaram a vida do filho. Conta o pouco que sabe da sua descendência híbrida, dos bisavós alemães, dos avós miscigenados e dos pais no estereótipo brasileiro. 

Ademir lembra que a família viveu um problema de saúde bastante sério com a irmã, ainda quando muito bebê. Ele lembra do padre em casa e de todos esperando a morte da criança, lembra dos pais chorando muito e dos seus sentimentos confusos. Mas ao narrar esse episódio ele reforça os laços da família, a amizade verdadeira entre eles ainda hoje. É uma lembrança que vem no contexto de afetos diante da quase perda da irmã e da percepção infantil da importância da família e reforça que, no presente, apesar de morarem em outra cidade, estão em contatos virtuais todos os dias.  Como outros moleques da sua idade, brincou na rua com os vizinhos, jogou bola na quadra do bairro, fez peraltices que o pai só veio saber muitos anos depois. Iniciou no mundo do trabalho ainda muito jovem contra a vontade do pai, que desejava que ele terminasse os estudos. Mas o desejo de consumir, como os amigos mais velhos, o colocou em uma fábrica metalúrgica aos 15 anos de idade. Em seguida descobriu o trabalho no comércio, em uma auto peças, e se realizou vendendo peças de carros e conversando com clientes. Na adolescência saia para dançar, para paquerar e seus olhos azuis faziam sucesso e foi entre essas experimentações que conheceu sua esposa – mulher a que atribui o seu grande amor. Antes dos 20 anos ele descobriu uma grande paixão e lembra com doçura o tempo em que saiam de moto com outros casais de amigos para a beira do rio na área rural de Joinville.

Foi com essa mulher que, também muito jovem, foi pai de duas filhas e ao lado dela construiu seu patrimônio.  A gravidez da namorada acelerou o casamento e a princípio, morou nos fundos da casa dos pais, depois comprou um terreno em um bairro mais afastado do centro e foi construindo uma casa aos poucos. Sobre esse passado lembra que se sentia muito seguro de si, gostava de andar de bicicleta, era ágil e desejava ter seu próprio negócio. Morou dentro da construção, trabalhou sem limites e terminou a casa.

Foi logo depois do casamento, em meio a essa construção inicial da vida, que ele começou sentir os sintomas da Esclerose Múltipla, mas ficou sem o diagnóstico por dez anos. Caia sem entender o porquê, tinha dificuldades para pedalar a bicicleta, sofria com fadigas nas noites de verão na casa em construção, “que era um forno”, ele conta. Não entendia porque sentia mais calor que os outros, formigamentos pelo corpo e uma sequência de noites mal dormidas. Sentia que não tinha mais velocidade e equilíbrio na loja de auto peças onde trabalhava e frequentemente deixavam as peças cair, quando ele mesmo não caia. Sentia-se por vezes humilhado entre os colegas de trabalho que diziam que ele estava bêbado. Mesmo com tantas dificuldades terminou a casa e montou seu próprio negócio. Mas as coisas não foram bem e, fragilizado, não conseguiu ser o empresário de sucesso com que sonhou até vender a loja e se tornar novamente um funcionário.

Passou por muitos médicos, fez numeráveis exames e recebeu alguns diagnósticos que levaram a terapias ineficazes. Até que veio o diagnóstico que foi significado como um alívio. Ele ouve falar de diagnósticos que funcionam como um “divisor de águas” na vida das pessoas, mas na sua história o diagnóstico funcionou como um “grande alívio”, afinal ele precisava de uma explicação para tantos limites em um corpo tão jovem.  Dois anos depois Ademir se aposentou e, no momento da entrevista morava nessa mesma casa que foi construída com tanto esforço, com a esposa e as duas filhas. Uma delas estava noiva e ele se orgulhava com o início da sua vida adulta, com a compra de um apartamento próximo ao endereço da família. As três mulheres da sua vida trabalhavam durante todo o dia e ele fica em casa cuidando vagarosamente de cada detalhe. Por vezes protagonizava algum acidente doméstico, mas enquanto se narra não se vê dependente de cuidador. Metódico, sistemático ele cuida do jardim, do quintal, da casa e principalmente da cozinha onde recebia a equipe para as entrevistas com muito agrado. Faz da cozinha seu lugar de prazer e cuidado da família. É ali que agrada as filhas e a mulher quando prepara as tapiocas do café da manhã, a batata doce para a filha, as experimentações de receitas que ele descobre em um canal de TV ou na internet. Ademir inventa receitas com as frutas do quintal e faz dos bolos e pratos que prepara a alquimia da própria vida.

O que essas duas histórias têm a ver com a minha? Você vai saber no próximo post. Até lá!

 

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